Museu Paulista

São Paulo - SP, 2017

CONCURSO NACIONAL: 1º LUGAR / Equipe Arquitetura e Restauro: Eduardo Ferroni, Pablo Hereñú; Amanda Domingues, Anna Beatriz Ayroza Galvão, Camila Paim, Carolina Klocker, Griselda Kluppel, João Pedro Sommacal De Mello, Joséphine Poirot-Delpech, Levy Vitorino, Michele Meneses de Amorim, Olympio Augusto Ribeiro / Consultores: Arnaldo Ramoska (Instalações), Eduardo Léo Kayano (Climatização), Heloísa Maringoni (Estruturas), Marcos Lima Verde Guimarães (Geotecnia), Nilton Miranda (Bombeiros), Ricardo Heder (Iluminação)


PAISAGEM MONUMENTAL

A perspectiva de intervir sobre um edifício-monumento, como o Museu Paulista, levantou, desde o início, a importância de uma reflexão básica sobre o conceito e o significado de um monumento. O historiador Aloïs Riegel, em 1903, na introdução de seu “Projet de législation des monuments historiques”, diferencia as noções de “monumento” e “monumento histórico” (aquele concebido sem intenção original de memória). O Museu Paulista estaria inscrito no primeiro termo, “monumento”, ou seja, aquele artefato ou conjuntos de artefatos criados deliberadamente para perpetuar a memória de uma comunidade ou de um povo, que, no caso, foi a celebração da independência da nação.

A partir desse entendimento, uma intervenção de restauro no Museu Paulista tem um papel que extrapola a demanda urgente de reabertura do edifício para o público de São Paulo. Sua renovação deveria ser vista como o marco zero de um processo de recuperação do Conjunto Monumental da Independência, que, para além de seu valor local, deveria sempre ser identificado como legítimo espaço cívico nacional. Torna-se impossível, portanto, pensar o Museu separadamente desse conjunto, cuja monumentalidade originalmente construída deve existir para reverenciar o país.

ARGUMENTOS DO PROJETO

O conjunto de intervenções propostas não quer ter destaque. O objetivo geral não é impor a face do novo, mas revelar de maneira nova o que já estava lá, por meio de articulações, disposições espaciais e percursos que as intervenções discretamente propiciam. A ênfase dos novos elementos não reside em sua aparência, mas no seu desempenho, no que são capazes de promover, na sua eficácia em dinamizar e potencializar as virtudes das preexistências.

Dois princípios fundamentais das proposições são: o de menor agressão à integridade física e visual do edifício e a possibilidade de reversão dos acréscimos propostos.

O primeiro plano de ações se concentra nas obras para recuperação da integridade física e reabilitação/modernização do Edifício-Monumento, além da criação de um setor novo, complementar e integrado, contendo grande parte dos serviços e áreas necessárias ao pleno funcionamento de um museu contemporâneo. Buscou-se conceber essa ampliação, não como um anexo ou apêndice, mas como um prolongamento subterrâneo do edifício preexistente que, por sua vez, abre a possibilidade de conectar o Museu ao Parque de uma forma mais potente e configura uma nova esplanada de acesso, que se estende até a Rua dos Patriotas.

O Edifício-Monumento foi projetado como elemento de propaganda de um regime, inicialmente da Monarquia, e depois encampado pela República, em um período que São Paulo começava a modificar o seu modo de construir, inspirando-se nos modos de fazer europeus. O projeto trazia em sua concepção estrutural grandes avanços da engenharia da época, encamisados, no entanto, pelos preceitos formais do ecletismo. Revelar essa condição é uma oportunidade que o presente concurso oferece. As intervenções propostas no interior do edifício buscam dar visibilidade a esses elementos estruturais e permitir o acesso público aos seus bastidores, proporcionando aos visitantes uma nova possibilidade de leitura desse momento histórico.

Além disso, as novas circulações possibilitam habitar o vazio conformado pelas fachadas do coroamento da torre central, conferindo conteúdo a um continente até então deserto. A iconografia histórica do museu retrata momentos de apropriações espontâneas desse espaço, revelando um potencial latente que o projeto original não aproveitou. A operação proposta resulta na criação de um terraço-mirante, invisível desde o exterior, a partir do qual se descortina a topografia do Ipiranga, a relação desta com a implantação do edifício e seus desdobramentos através do parque e dos sucessivos elementos que estruturam aquela paisagem.

RITUAL DE INGRESSO

Um dos elementos mais marcantes do Edifício-Monumento é o ritual de ingresso que este propõe: a lenta elevação de cota através da escadaria frontal e rampas laterais; o ingresso ao abrigo do saguão principal e sua floresta de colunas; o descortinamento do grande vazio central iluminado, da escadaria monumental e da figura de D. Pedro I. Desestruturar esse ritual, fazendo com que o público proveniente do novo acolhimento acesse o edifício de uma outra maneira, representaria o sacrifício de uma referência coletiva cuja preservação é fundamental.

A partir dessas considerações, a interligação proposta insere com precisão cirúrgica e interferência mínima um conjunto de escadas rolantes e elevadores em pleno saguão principal. Alinhada ao eixo compositivo central da arquitetura original, esta conexão integra funcional, visual e simbolicamente, o ritual de ingresso original a seu prolongamento subterrâneo, criando um percurso contínuo marcado por contrastes de luzes, linguagens e tempos.

ACOLHIMENTO: CORAÇÃO PÚBLICO DO MUSEU

O novo setor de acolhimento, localizado na ampliação sob a esplanada, foi desenhado com a intenção de potencializar a interação entre as atividades públicas previstas no programa.

Ao redor de um amplo saguão central, com vista para as fontes e jardins localizados no parque ao lado, distribuem-se as áreas de atendimento ao público, bilheterias, salas educativas e de uso múltiplo, acessos às exposições e ao auditório, descanso, loja, café e a boca do túnel que realiza a conexão com o Edifício-Monumento.

Ao colocar-se como um aglutinador de atividades públicas, esse espaço possibilita a fricção entre os diferentes tipos de visitantes do museu, os usuários do parque e a população de um modo geral.

TORRE INFRAESTRUTURAL

As principais ações destinadas à modernização infraestrutural e à adequação funcional do Edifício- Monumento foram agrupadas em uma única intervenção: a inserção de uma torre de circulação vertical e serviços (nova escada protegida, elevadores para público e transporte de acervo, conjuntos de sanitários, shafts de instalações e áreas técnicas) no interior da porção sul de seu corpo central, área já bastante descaracterizada e atualmente ocupada por funções de natureza similar.

Essa localização permite alcançar todos os níveis (existentes e propostos) do museu com impacto mínimo na volumetria do conjunto: o leve afloramento da torre sobre o plano da cobertura tem pouca ou nenhuma visibilidade ao nível do solo devido à presença do bosque e aos ângulos possíveis de observação.

INSTALAÇÕES, SISTEMAS E CLIMATIZAÇÃO

O novo núcleo infraestrutural posicionado no interior do trecho sul do corpo central do Edifício Monumento funciona como uma espinha dorsal dos sistemas infraestruturais. Além de shafts verticais que percorrem todos os níveis, esse núcleo dispõe de diversos espaços para equipamentos e áreas técnicas. A partir desse eixo central, as redes se desenvolvem nos sentidos leste e oeste correndo ora pelo porão, ora pelos espaços entre pisos e forros, alcançando todas as salas.

Para atender às solicitações do concurso no que concerne a climatização, foi previsto um sistema de água gelada para as áreas críticas (controle de temperatura e umidade) e um sistema de Multisplit VRF para as demais áreas de conforto.

Para a instalação dos equipamentos que compõem esses sistemas foram previstas áreas técnicas descobertas na cobertura do novo núcleo infraestrutural, áreas no porão do Edifício-Monumento (sem interferência na ventilação natural) e três espaços no interior da ampliação sob a esplanada.

INTERLIGAÇÃO DAS TORRES NO SEGUNDO PAVIMENTO

Para viabilizar a articulação em nível dos espaços existentes nas torres Leste, Central e Oeste, foram adotadas duas soluções distintas.

O redesenho do perfil das coberturas instaladas sobre as alas laterais permitiu a inserção de discretas passagens cobertas que, além de conectar os espaços, se configuram, elas próprias, como galerias de exposição. Na lateral sul, uma superfície inclinada permite a disposição de suportes expositivos variados e a instalação de bancos para o descanso. Na lateral norte, uma janela contínua se debruça sobre o eixo monumental do Parque e permite a visualização de detalhes da ornamentação original do edifício.

O atravessamento da torre central se realiza através do recinto existente sobre a circulação do primeiro pavimento posicionado entre o forro do Salão Nobre e as claraboias da escada monumental. Através da substituição dos travamentos em “X” existentes por quadros metálicos, viabiliza-se a passagem no sentido longitudinal completando a ligação de um extremo ao outro.

COBERTURAS

Todas as coberturas do Edifício-Monumento deverão ser redimensionadas e adequadas às novas funções, mantendo-se, no entanto, a mesma linguagem e materialidade existentes, já consolidadas na identidade do edifício e considerando que são compatíveis com as suas características históricas e estilísticas.

As novas coberturas serão estruturadas por elementos metálicos apoiados nas alvenarias existentes, aproveitando-se o mesmo leito de apoio anteriormente utilizado. As novas calhas serão posicionadas percorrendo as faces internas das platibandas existentes, redimensionadas em função das necessidades atuais da captação de águas pluviais do conjunto de telhados.

GEOTECNIA

A necessidade de articular o Edifício Monumento aos novos espaços e acessos localizados em cota inferior, sob a área denominada esplanada, implica na criação de uma conexão subterrânea que demanda o estudo cuidadoso e detalhado das soluções construtivas de modo a garantir a conservação das estruturas existentes e uma construção econômica e racional dos novos elementos.

Para o túnel proposto, de seção circular com diâmetro de 5 metros, adotou-se o método não-destrutivo (MND) de construção por meio de anéis modulares em chapa de aço corrugado parafusados. Esta técnica, além de ser a mais econômica para obras dessa natureza, permite a construção do túnel sem provocar nenhum impacto nas preexistências localizadas acima. O trecho diagonal, de menor diâmetro e que contém as escadas rolantes que desembocam no saguão de acesso, provoca interferências pontuais em um trecho das fundações existentes, resolvidas por meio de seu reforço utilizando a técnica de jetgrouting.

ILUMINAÇÃO

Para os ambientes internos do Edifício Monumento, propõe-se a modernização tecnológica total dos

dispositivos de iluminação, preservando, no entanto, a funcionalidade das sancas associadas aos forros e os globos pendurados ao longo das circulações e no interior de algumas salas. A iluminação complementar se resolve por meio de spots de destaque instalados em micro-trilhos eletrificados incorporados discretamente aos detalhes arquitetônicos preexistentes.

Para a iluminação das fachadas, buscou-se uma solução que proporcione maior equilíbrio entre os planos externos, os espaços intermediários (varandas, galerias e etc) e os interiores. O entorno densamente arborizado cria um pano de fundo relativamente escuro que permite conferir destaque ao edifício por meio de soluções mais sutis e de menor intensidade luminosa.

Devido à natureza conservativa do Museu e seu acervo, propõe-se a utilização de spots dimerizáveis individualmente em todas as áreas de exposição, garantindo a devida adequação da intensidade luminosa para cada peça exposta.

OCUPAÇÃO DO COROAMENTO DA TORRE CENTRAL

O espaço vazio localizado no interior do coroamento da torre central será reconfigurado com a construção de uma nova cobertura de vidro para as claraboias centrais e a inserção de um volume que abriga uma nova sala expositiva em seu interior e cria um mirante ao ar livre em sua cobertura (cuja acessibilidade é prevista por meio de plataforma lateral à escada).

Todos os elementos estruturais da cobertura original serão preservados e recuperados, sendo removidas apenas as atuais telhas metálicas e de vidro, que apresentam diversos problemas de estanqueidade. A nova estrutura metálica proposta permite a sua montagem em duas fases, instalando-se por cima da cobertura existente e preservando a área permanentemente abrigada durante a sua execução.

Passarelas ligadas ao novo núcleo de circulação vertical (Torre Infraestrutural) habilitam percursos até então inéditos, atravessando vazios com espacialidades intrigantes (Piranesianas) nas quais podem ser observadas as belíssimas estruturas metálicas originais das claraboias, as grandes tesouras de madeira do antigo telhamento e os potentes arcos de tijolos que suportam as alvenarias do coroamento.

ALARGAMENTO DAS PASSAGENS/ TORRE CENTRAL

As passagens existentes de acesso ao novo núcleo de circulação vertical (Torre Infraestrutural, Primeiro e Segundo Pavimentos) serão alargadas em aproximadamente 30/40cm por meio de intervenções pontuais que não afetam a funcionalidade das estruturas existentes.

Os frontões em alvenaria do trecho central, tem, na continuidade das fachadas adjacentes, contrafortes capazes de absorver os esforços horizontais do arco e, no entroncamento das alvenarias, com espessuras bastante generosas, a resistência necessária para suportar os esforços de compressão destas cargas, tornando viável o alargamento proposto.

SAÍDAS DE EMERGÊNCIA E SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO

Para garantir a plena adequação do Edifício Monumento com o menor impacto espacial possível, foi feita uma minuciosa análise da legislação e instruções técnicas vigentes. Isto permitiu resolver o projeto com a inserção de apenas uma nova escada protegida, no interior do corpo central do edifício, e a adaptação das escadas helicoidais existentes nas torres leste e oeste. Nesta configuração, o edifício passa a contar com cinco Unidades de Passagem (UP) protegidas, podendo receber com segurança até 1500 visitantes simultaneamente (sem contar o anexo sob a esplanada).

A adaptação das escadas existentes prevê a inserção de portas corta-fogo e, caso se verifique a necessidade, a instalação de janelas resistentes ao fogo por trás das janelas atuais. Todos os ambientes deverão possuir sistema de detecção e alarme de incêndio. Para o fechamento da nova escada central, foi previsto um sistema de caixilhos corta-fogo que proporciona luz natural ao seu interior e transparência ao longo de seu percurso, estabelecendo um intenso diálogo visual com as preexistências.